Os Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) são canais de ligação entre Instituições de Ciência e Tecnologia e empresas, governos e cidadãos, promovendo a inovação, a propriedade intelectual e a transferência de tecnologia

Maurício Frighetto – Fapesc
mauricio.frighettoi@fapesc.sc.gov.br
Fotos Daniel Zimmermann – Furb

Um dos desafios das Instituições de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTIs) é fazer com que o conhecimento chegue à sociedade. Como uma invenção, uma descoberta, um desenho industrial ou um programa de computador alcança as empresas, os governos e os cidadãos? Ajudar a resolver essa questão é o papel do Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), projetado para ser uma espécie de ponte entre o conhecimento e a sociedade.

A primeira instituição do Estado a ter um NIT foi a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 1981. A partir de 2004, com a Lei de Inovação, os núcleos passaram a se estruturar de forma mais sistemática. A norma o definiu como “núcleo ou órgão constituído por uma ou mais ICT com a finalidade de gerir sua política de inovação”.
“Após a promulgação da lei, muitas universidades e institutos de pesquisa criaram grupos de trabalho para refletir sobre ‘o que é esse tal de Nit’. Às vezes havia uma estrutura, resolução ou uma instrução normativa voltada para a propriedade intelectual (PI). Às vezes esse trabalho era realizado por uma pessoa ou pela procuradoria jurídica”, lembra o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), Fábio Zabot Holthausen. “Mas era muito incipiente”.

No Estado, uma das primeiras ações ocorreu em 2007, com uma chamada pública da Fapesc que apoiou cinco núcleos. No ano seguinte, foi criado o Arranjo Catarinense de Núcleos de Inovação Tecnológica, o Pronit, com 18 instituições. A fundação também apoiou a iniciativa, que recebeu recursos da Finep Inovação e Pesquisa, empresa pública do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Foram capacitados professores, pesquisadores e profissionais técnicos em temas como elaboração de projetos, gestão de NIT, propriedade intelectual e transferência de tecnologia. Ao longo dos anos, a Fapesc investiu mais de R$ 4,5 milhões nos núcleos.

Cultura da inovação e da propriedade intelectual

Holthausen participou do grupo de trabalho que criou o NIT da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). “Tomamos a decisão estratégica de estruturar o NIT para além das suas competências definidas em lei. Porque a Lei de Inovação tem um arcabouço muito maior, como o fomento, o desenvolvimento da pesquisa, da inovação. Criamos a Agetec, Agência de Empreendedorismo, Pesquisa e Inovação naquele momento”. A agência contou com núcleo de empreendedorismo, escritório de propriedade intelectual e transferência de tecnologia, consultoria jurídica, escritório de projetos e prestação de serviços, incubadora de empresas e parque tecnológico.

De acordo com Holthausen, uma das primeiras tarefas de todos os NITs foi ajudar a desenvolver a cultura da inovação e da propriedade intelectual e da transferência de tecnologia. “Porque ninguém sabia muito bem como funcionava. O professor não sabia direito se relacionar com uma empresa, tinha dúvida se o titular de uma patente seria ele ou a universidade. Tivemos que trabalhar muito com esta questão do aculturamento, tanto para dentro como para fora da universidade. Porque as empresas também não sabiam muito bem como se relacionar”.

Os primeiros royalties

Na Universidade Regional de Blumenau (Furb), o NIT é chamado de Agência de Inovação Tecnológica (Agit). Formalmente instituído em 2012, começou a ganhar corpo em 2016, a partir de um planejamento estratégico. “Começamos a falar com professores, dar cursos sobre Propriedade Intelectual, ir nos programas de pós-graduação explicar o que é uma patente, o que diz a legislação. Foi um trabalho de formiga. E fomos vencendo as barreiras que existiam. Podemos dizer que começamos a fazer a difusão da cultura da Propriedade Intelectual. E isso começou a dar certo. Em 2022, marcamos todos os gols”, conta o professor Vinicyus Rodolfo Wiggers, coordenador do Núcleo.

No planejamento estratégico, um dos objetivos era receber royalties. Quando um ativo de PI é licenciado para uma empresa, um contrato define a parte dos lucros que retornam à universidade. E, em abril de 2022, a Furb recebeu R$ 2.583,94, o primeiro repasse fruto do desenho industrial de luminárias projetadas por estudantes do curso de Design no “1º Prêmio de Inovação em Design de Iluminação”, realizado em parceria com a empresa Blumenau Iluminação. Até agora, esse projeto rendeu R$ 12.243,98 em quatro luminárias.

Na mesma cerimônia, a Furb recebeu R$ 12.510,34, repasse da transferência de knowhow para a empresa Clarlei Tecnologia, do Rio de Janeiro, da tecnologia de uma maleta de teste de transformador. O produto foi desenvolvido por professores pesquisadores do curso de Engenharia Elétrica entre os anos de 2011 e 2013, através de um projeto de Pesquisa e Desenvolvimento financiado pela Celesc. “O recebimento desses royalties demonstra que o conhecimento desenvolvido na universidade possui aplicação e pode contribuir junto à sociedade. A inovação tecnológica e a transferência de tecnologia são uma das melhores maneiras de fazer esse conhecimento chegar à sociedade”, disse Wiggers no dia da cerimônia.

Mas o primeiro contrato assinado é ainda mais expressivo em termos de valores. É um gol de placa, para Wiggers. Vai render R$ 820 mil à universidade nos próximos 10 anos. Além disso, a empresa também investe em bolsas para a pós-graduação. Por motivos estratégicos, os pesquisadores pediram para não citar o projeto.

Acesse o site da Furb e conheça mais detalhes sobre os primeiros royalties recebidos
por projetos desenvolvidos na universidade

Premiadas
Thabata Figueiredo, Letícia Glau e Larissa de Oliveira, criadoras do Kina Light, ficaram
em primeiro lugar no Prêmio de Inovação em Design de Iluminação, em 2019, e
receberam royalties pelo produto que desenvolveram em 2022

Mais investimento para pesquisa

O Sistema Integrado de Telemedicina e Telessaúde (STT), desenvolvido na UFSC, será usado por hospitais universitários brasileiros. Em troca, as unidades vão investir em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para aprimorar o próprio sistema. O acordo é um exemplo da importância dos NITs – foi intermediado pela Secretaria de Inovação (Sinova-UFSC), que abriga as funções do NIT.

“Nós temos uma tecnologia que é o resultado de 20 anos de pesquisa e que foi financiada com dinheiro público. Tínhamos receio de que nesta negociação a pesquisa ficasse em segundo plano”, frisou o coordenador do STT, Aldo von Wangenheim. “Ficamos procurando modelos de como fazer a transferência de tecnologia que resultasse em um conjunto mínimo de requisitos, que incluísse investir na pesquisa. Depois de quebrar a cabeça e de muitas reuniões, com a procuradoria, com o Sinova, chegamos a um modelo que estabelece que outras instituições podem usar o sistema desde que contribuam para a continuidade do desenvolvimento”.

O STT é desenvolvido e executado de forma ininterrupta pela UFSC desde 1999. É um conjunto de tecnologias, processos de trabalho médico, protocolos de exames e condutas clínicas para diagnóstico à distância em larga escala e acompanhamento de pacientes no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao longo dos anos, recebeu recursos da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, da Organização Pan-Americana de Saúde, do Ministério da Saúde, da Fapesc e da Finep.

Presente em todas as cidades catarinenses, o STT já realizou mais de 10 milhões de atendimentos, proporcionando a interiorização dos atendimentos médicos especializados. Projetos-piloto estão ocorrendo nos estados do Acre, Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e na Aeronáutica, Exército e Marinha.

A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que administra 48 hospitais universitários, mostrou interesse na tecnologia. E o Sinova lançou um Edital de Oferta Tecnológica em agosto de 2021 – o primeiro da UFSC. A Ebserh firmou parceria, mas todos os órgão da administração direta ou indireta, de todas as esferas, também podem se candidatar.

“A ideia de realizar uma oferta tecnológica foi para atender as exigências da Lei de Inovação e dar mais transparência ao processo, além de oportunizar que a rede pública de saúde em todo o Brasil pudesse ter acesso ao STT”, explicou Alexandre Moraes Ramos, que foi secretário do Sinova quando o acordo foi fechado.

“Qualquer hospital público no Brasil pode aderir ao edital e assim ter acesso gratuito ao sistema. Em contrapartida, deve firmar um convênio de P&D com a universidade e colaborar com recursos financeiros, humanos, materiais e infraestrutura para a evolução do sistema, a partir do desenvolvimento de novas funcionalidades continue”. Wangenheim salienta que os hospitais universitários também poderão usar a tecnologia para criar disciplinas voltadas para o ensino prático de telemedicina – se alguém tinha dúvida, a pandemia do coronavírus mostrou a importância de fazer diagnósticos e tratamentos à distância. É mais uma forma de o conhecimento produzido em uma ICT chegar à sociedade.