Engenheira agrônoma Mariana Mendes Fagherazzi escreveu a primeira tese do Brasil sobre o cultivo de lúpulo no país e vira referência nacional
Por Tatiane Rosa Machado da Silva – Udesc
tatiane.silva@udesc.br
Fotos Tatiane Rosa Machado da Silva e Arquivo Pessoal
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de cerveja, mas ainda precisa obter, no exterior, quase 100% da principal matéria-prima para a elaboração da bebida: o lúpulo, que fornece características de amargor, sabor e aroma. A importação desse ingrediente fica na casa das três mil toneladas anuais. E por que não produzir o lúpulo brasileiro, reduzindo a necessidade de importação? Esse era um dos questionamentos da pesquisadora Mariana Mendes Fagherazzi, que deu origem à tese Adaptabilidade de Cultivares de Lúpulo na Região do Planalto Sul Catarinense, defendida em 2020, no Programa de Pós-Graduação em Produção Vegetal do Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV), da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), em Lages.
No estudo, Mariana investigou e comprovou a viabilidade de produção de diferentes variedades de lúpulo em solo catarinense, com produtividade e qualidade satisfatórias, capazes de ofertar matéria-prima dentro dos padrões necessários para cervejarias instaladas no Estado, reduzindo a necessidade de importação.
A tese, pioneira no Brasil, é a primeira a abordar, especificamente, o cultivo do lúpulo no país. O estudo caracterizou a adaptação vegeto-produtiva e qualitativa de quatro variedades, em diferentes microclimas da Serra Catarinense, especificamente nos municípios de Lages, São Joaquim e Palmeira. A pesquisa foi orientada pelo professor Leo Rufato, do Departamento de Agronomia, doutor em Fruticultura de Clima Temperado, com pós-doutorado na Universidade Cornell, em Nova York.
“Os resultados permitiram direcionamentos de manejo aos lupulicultores da região e impulsionaram novas pesquisas de modo mais específico, fortalecendo e engajando novas demandas dos produtores de lúpulo e da cadeia produtiva, que está em estruturação”, afirma Mariana.
Quatro variedades validadas
A pesquisadora avaliou a adaptabilidade de quatro variedades: Cascade, Chinook, Columbus e Yakima Gold. Os resultados observados demonstraram que o lúpulo se desenvolveu nas condições avaliadas e que houve produção de cones desde a primeira safra agrícola.
Para disponibilizar cones com composições químicas dentro dos padrões requeridos pela indústria cervejeira foram analisados diferentes compostos: alfa-ácidos, que servem como fonte de sabores, principalmente o amargor; beta-ácidos, que contribuem mais para o aroma do que para o sabor; e óleos essenciais, que são altamente voláteis e respondem pelo perfume.
Os estudos verificaram o potencial de cultivo em todas as variedades, com destaque para a Yakima Gold, que atingiu a maior concentração de alfa-ácidos. No município de Palmeira, a Cascade sobressaiu no teor de óleos essenciais, ao atingir a produção de 0,89 ml/100g, considerando que os parâmetros, de acordo com a literatura, variam de 0,7 a 1,5 ml/100g.
No município de São Joaquim, a Columbus foi destaque na produção por planta, totalizando 1,86 quilo de cone, enquanto a média das variedades ficou em 1,68 quilo. A variedade mostrou-se, ainda, apropriada para as três microrregiões de estudo por apresentar elevada produtividade quando comparada às demais.
Variáveis do estudo
Para comprovar a viabilidade de produção, o estudo baseou-se nos resultados de quatro variáveis: fenologia; avaliações vegetativas e produtivas; avaliações climáticas; e avaliações químicas dos cones de lúpulo no momento da colheita.
Quanto à fenologia, foram avaliados desde o desenvolvimento foliar, a formação dos ramos laterais e o alongamento do ramo principal até o desenvolvimento e a maturidade dos cones. Já as avaliações vegetativas e produtivas incluíram dados como altura das plantas, produção por planta e produtividade estimada.
As avaliações climáticas consideraram, dentre outros indicadores, dados de temperatura e horas de sol dos municípios, onde foram desenvolvidos os experimentos. Já as avaliações químicas dos cones de lúpulo no momento da colheita levaram em consideração, principalmente, a concentração de alfa-ácidos, beta-ácidos e óleos essenciais.
Produção no Brasil e no mundo
Na fabricação da cerveja, o lúpulo é o componente utilizado em menor quantidade e de custo mais elevado. Seu uso é essencial para fornecer aromas característicos, além de ser o principal ingrediente responsável pelo amargor e pela estabilidade microbiológica e físico-química da bebida.
Na tese que fez na Udesc Lages, a pesquisadora Mariana apresenta dados atualizados da produção mundial, baseados em informações da Comissão Econômica do International Hop Growers Convention (IHGC). Os países localizados no Hemisfério Norte são os maiores produtores de lúpulo. Os Estados Unidos e a Alemanha representam mais de 60% da produção mundial, seguidos de República Checa e China.
No Brasil, a lupulicultura teve início com os imigrantes alemães e poloneses, que se instalaram na Serra gaúcha há mais de 60 anos. Mas a cultura não perdurou, dando lugar a outras atividades econômicas.
Na última década, a lupulicultura voltou a ser assunto em função do crescente número de microcervejarias registradas. Há relatos de produção de lúpulo em diversos estados brasileiros, principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Rio Grande do Sul e Santa Catarina têm a maior concentração de produtores e de área cultivada, mas sem registros ou estimativas oficiais de produção e produtividade.
Tese dá origem a livro inédito
A escassez de publicações relativas ao cultivo do lúpulo no Brasil foi um dos desafios encontrados pela pesquisadora durante o estudo na Udesc Lages. A inexistência de parâmetros, para a validação da adaptabilidade da planta, fez com que Mariana desenvolvesse os próprios parâmetros de análise para a pesquisa.
Os resultados encontrados e a comprovação da viabilidade do cultivo levaram à publicação do livro inédito Aspectos Técnicos da Cultura do Lúpulo (2019), uma das primeiras literaturas brasileiras relacionada ao tema.
Publicada pela Editora Udesc, sob organização de Mariana e Rufato, a obra reúne resultados de pesquisas desenvolvidas na universidade, com o objetivo de apresentar métodos básicos para a produção de lúpulo no Brasil, e oferecer uma visão geral àqueles que não acreditavam ser possível produzir lúpulo com qualidade no Brasil.“Pesquisar algo inovador é desafiante, visto que o Brasil importa mais de 99,8% da sua demanda interna de lúpulo”, escreve Mariana. “Acredito que é sempre mais fácil trilhar um caminho quando já existe um começo. Que esta obra seja fonte de inspiração para obras literárias sobre Humulus lupulus L.”.