Fundado em 1909, como Escola de Aprendizes Artífices, o atual Instituto Federal de Santa Catarina é uma das instituições públicas de educação mais antigas da capital catarinense e conta com 22 campi presentes em todas as regiões do Estado

Por Ana Paula Lückman – IFSC
anapaula@ifsc.edu.br

Fotos Divulgação IFSC

A matéria publicada na capa da Folha do Comércio em 2 de setembro de 1910 registrava o início das atividades da Escola de Aprendizes Artífices (EAA) de Santa Catarina, pouco menos de um ano após a publicação do decreto presidencial que criou as escolas de ensino profissional no país – uma em cada capital de estado.

O diário fundado e dirigido pelo jornalista, escritor e advogado Crispim Mira costumava ser crítico em relação às ações governamentais, mas no caso específico da EAA o tom da notícia era de aprovação e expectativa. Os 80 alunos inscritos nas turmas iniciais do novo estabelecimento público, que ofertava ensino primário e formação profissional, seriam educados num ambiente organizado e equipado, onde, na visão do redator, seriam prestados inestimáveis serviços ao Estado.

Antiga Escola Técnica Federal de Santa Catarina (ETF-SC) em Florianópolis
A partir da década de 1960, o atual IFSC começou a se consolidar como instituição de ensino referência para todo o Estado, e as vagas para os cursos técnicos, como Agrimensura, Edificações, Eletrotécnica, Mecânica, Estradas, Saneamento e Telecomunicações, ficaram cada vez mais disputadas
Campus Florianópolis
No Centro da capital catarinense, na Rua Mauro Ramos, desde 2017 são desenvolvidas pesquisadas focadas em sistemas inteligentes de energia

Após 113 anos, o imóvel onde a Escola de Aprendizes Artífices foi instalada ainda está em pé, na rua que agora se chama Nereu Ramos e corresponde a uma das áreas mais nobres do centro de Florianópolis. Hoje, a região em nada lembra o antigo bairro Mato Grosso, que no início do século XX era afastado do núcleo urbano da Capital e ocupado principalmente por chácaras. Além disso, tratava-se de uma área bastante próxima das crescentes comunidades dos morros, onde residiam os meninos “desfavorecidos da fortuna”, que eram o público preferencial da instituição – uma parcela da população que deveria aprender um ofício e “adquirir hábitos de trabalho profícuo”, afastando-se da “ociosidade ignorante”, como escrito nos considerandos do Decreto 7.566/1909 do presidente Nilo Peçanha.

Poucos dias após a inauguração da Escola, um sopro de modernidade já desfrutado pelas principais capitais do Brasil finalmente chegou à capital ainda isolada na Ilha de Santa Catarina: a substituição dos postes a querosene pela energia elétrica na rede pública foi efetivada em 25 de setembro de 1910, numa solenidade também destacada na Folha do Comércio de Crispim Mira. Era um importante marco no desenvolvimento da Capital que, até então, sequer tinha a Ponte Hercílio Luz e também havia recém disponibilizado o serviço de água encanada para seus moradores.

Com cerca de 15 mil habitantes, de acordo com o recenseamento de 1910, aquela Florianópolis do início do século XX, majoritariamente rural, começava a dar passos mais largos na direção de uma modernização almejada, sobretudo, pelas elites. A sociedade brasileira, fundada no trabalho escravo, passava por uma radical transformação ao ceder lugar para o trabalho livre, condição essencial para o processo de industrialização. Naquele cenário de desenvolvimento de setores econômicos mais associados à urbanidade, a produção rural foi sendo substituída pelo crescimento do setor de serviços e pela indústria. E, nesse contexto, a formação dos meninos nas áreas de atuação da Escola de Aprendizes Artífices tencionava suprir a necessidade de mão de obra qualificada.

Aulas para meninos e meninas
Embora na década de 1950 algumas meninas frequentassem o curso de alfaiataria, somente em 1967 foi autorizado o ingresso das primeiras mulheres no corpo discente

Muda a sociedade, muda a escola
Com 12 anos de atividade, o espaço físico do imóvel na antiga rua Almirante Alvim, atual Nereu Ramos, deixou de dar conta das demandas dos cursos ofertados na Escola de Aprendizes Artífices, não comportando adequadamente seus estudantes e servidores. A instituição transferiu-se, então, para o casarão na rua Presidente Coutinho, também existente até hoje, que possibilitava melhor estrutura para as atividades dos 133 estudantes que frequentavam as oficinas de mecânica, carpintaria, tipografia/encadernação e alfaiataria. Até aquele momento, em 1922, a EAA já havia formado mais de 100 profissionais que atuavam em empresas de Florianópolis, Porto Alegre, Rio Grande, Santos e Rio de Janeiro.
A série de mudanças de institucionalidade que marcam a evolução da Escola, ao longo desse mais de um século de história, teve início em 13 de janeiro de 1937, quando a lei federal nº 378 transformou as Escolas de Aprendizes Artífices em Liceus Industriais. A intenção era propagar e fortalecer o ensino industrial no país, ante um processo de industrialização nacional que exigia, cada vez mais, mão de obra especializada e qualificada. O perfil dos cursos, contudo, manteve-se praticamente inalterado no Liceu Industrial de Florianópolis: mecânica de máquinas, fundição, tipografia/encadernação, cerâmica, carpintaria, marcenaria, serralheria e alfaiataria eram as opções de formação.
Em 1942, outro marco legal trouxe as bases de organização e regime do ensino industrial no Brasil, que deveriam priorizar a preparação profissional dos trabalhadores da indústria. Com o decreto-lei n° 4.073, os liceus assumiram a nomenclatura de Escola Industrial. No caso da escola de Florianópolis, os cursos industriais básicos e de mestria continuaram em oferta, mas uma mudança importante ocorreu em 1962, quando começaram a ser oferecidos os cursos técnicos que são, até hoje, a menina dos olhos da instituição.
Outro marco do ano de 1962 foi o início das atividades letivas no prédio novo da Escola Industrial, construído ao longo de 20 anos, num amplo terreno na avenida Mauro Ramos, que na época já era uma das vias públicas mais importantes da cidade. Inicialmente, a estrutura comportou 13 salas de aula e laboratórios. Três anos depois, houve mais uma mudança de nome – Escola Industrial Federal de Santa Catarina – para adequação da identificação das instituições ligadas ao Ministério da Educação.

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Instituto Federal de Santa Catarina

O caminho para a atual configuração
No período como Escola Técnica Federal de Santa Catarina (ETF-SC), o atual IFSC, começou a consolidar-se como instituição de ensino referência para todo o Estado. A transição ocorreu em 1968, quando foi publicada a Portaria n° 331 do Governo Federal. No mesmo ano, ocorreu a regulamentação da profissão de técnico de nível médio, por intermédio da lei federal nº 5.524, o que representou grande valorização para os egressos.
Na década de 1990, as vagas por cursos técnicos já eram disputadas na então ETF-SC, com destaque para Edificações, Eletrotécnica, Mecânica, Agrimensura, Estradas, Saneamento, Refrigeração /Ar-Condicionado e Telecomunicações – os dois últimos, ofertados na primeira unidade da Escola Técnica fora da cidade-sede: São José. A unidade foi instalada naquele município em 1987, no âmbito do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico criado pelo governo federal. À Unidade São José seguiu-se a Unidade Jaraguá do Sul, em 1994. A complexificação da estrutura levou à organização do Sistema ETF-SC, com as Unidades Florianópolis, São José e Jaraguá do Sul – um embrião do sistema multicampi em funcionamento hoje no IFSC.

O processo de expansão

A virada do século trouxe mais mudanças para o Ensino Técnico capitaneadas pelo Governo Federal. Em 2002, a ETF-SC transformou-se em Centro Federal de Educação Tecnológica de Santa Catarina (Cefet-SC), ampliando radicalmente sua atuação, até então restrita a cursos técnicos. Os objetivos passaram a contemplar a oferta de cursos de qualificação profissional, Educação Continuada e Ensino Superior, além da realização de pesquisa aplicada como forma de estimular o desenvolvimento de soluções tecnológicas. No mesmo ano, foi realizado o primeiro vestibular para os novos cursos superiores de tecnologia: Automação Industrial, Design de Produto e Sistemas Digitais. Mais do que instituições de formação profissionalizante, os Cefets firmaram-se como centros de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

Essa institucionalidade, contudo, durou pouco tempo. A partir de 2005 passou a ser discutido no âmbito do Governo Federal o plano de expansão da rede federal de Educação Profissional e Tecnológica, com a expectativa de multiplicação de vagas para todos os cantos do país. A expansão em Santa Catarina começou a se concretizar com a inauguração das unidades Joinville, Florianópolis-Continente e Chapecó, e prosseguiu com a mais recente e importante alteração de personalidade institucional: em 2008, o Cefet-SC transformou-se em Instituto Federal, compondo uma rede nacional com outras 40 instituições.

Juntas, as instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica somam mais de 600 campi em todas as regiões do país, levando educação profissional, científica e tecnológica aos recantos mais remotos e a populações que, mais do que “desfavorecidas da fortuna”, como os meninos de 1909, encontram nos IFs oportunidade de educação pública, gratuita e de qualidade no seu próprio local de origem. Hoje, o Instituto Federal de Santa Catarina é uma instituição sólida que conta com 22 campi presentes em todas as regiões do Estado, atuando num leque de áreas do conhecimento alinhadas com os arranjos produtivos e sociais das comunidades onde estão inseridos.

Um exemplo é o trabalho do polo Embrapii, do campus Florianópolis, que desde 2017 desenvolve pesquisas de ponta focadas em sistemas inteligentes de energia. Um contraste impressionante com os primórdios da velha Escola de Aprendizes Artífices, que começou sua trajetória numa Florianópolis que ainda vivia às escuras.