A jornalista e escritora Ana Lavratti, o professor do IFSC Márcio Henrique Doniak e a professora aposentada Maria Clara Kaschny Schneider, ex-reitora do IFSC, estão organizando um livro para contar a história dos Centros de Inovação de Santa Catarina e das pessoas que estão participando deste projeto ambicioso: fazer o que ainda não existe. Acompanhe o relato e os bastidores desta produção

Por Ana Lavratti
Fotos Divulgação
Infográfico Ana Sofia Carreço de Oliveira

Ao ser aprovada no edital da Fapesc, para escrever um livro sobre os Centros de Inovação de Santa Catarina, minha maior motivação foi a abrangência geográfica, afinal, a Rede Catarinense de Centros de Inovação é composta por 15 prédios que, a partir de 15 cidades, promovem a convergência regional. Não tardou para descobrir que do plano ambicioso, para capilarizar a inovação por todo o Estado, apenas dez foram inaugurados, o que não denota ineficiência. Muito pelo contrário, demonstra a magnitude do projeto.

Mas a maior surpresa estava por vir: o quanto a Rede Catarinense está impactando o meio acadêmico, a gestão pública, a sociedade civil, jovens empreendedores, grandes empresas e as entidades que os representam. Em oito meses de pesquisa para o livro perdi a conta das vezes em que provamos de uma nova mentalidade, com menos estrelismo e maior colaboração.

Cafezinho com o presidente

Presidente da Associação Catarinense de Tecnologia Acate, de 2016 a 2020, homenageado com a Ordem do Mérito Empresarial, outorgada pela ACIF em 2021, Daniel Leipnitz preparou pessoalmente o cafezinho que me ofereceu. Ao saber sobre a produção do livro, a gerente da Rede Catarinense de Centros de Inovação, Iuana Réus, já entrou em contato, colocando-se à disposição para contextualizar a situação. Conduzindo uma equipe pressionada a marchar à frente do seu tempo, desenvolveram juntos três guias que hoje são a cartilha para implantação dos Centros de Inovação em Santa Catarina.

“Os prefeitos, antes interessados no prédio, passaram a compreender que a obra física é o hardware, mas o software, que vai rodar nele, é muito mais importante”, explica Iuana, que exercita, há quase 10 anos, o conceito de learning by doing. Como fazer o que nem existe? A mesma analogia dos prédios vale para os times: os resultados vêm da sinergia e não da hierarquia.

Responsável pela gestão do Centro de Inovação Blumenau, o professor Udo Schroeder encerrou a entrevista me convidando para um tour. Aos 68 anos, abdicando do elevador, me levou de sala em sala esbanjando vigor. No 408lab, em Brusque, o professor Günther Lother Pertschy foi me buscar no estacionamento, com a energia de um aluno e a sapiência de quem já foi reitor. Isso sim é magnífico: quando o saber inspira ao invés de intimidar.

Exemplos não faltam do quanto é possível furar a bolha da ficção, mas prefiro incitar o leitor a conhecer. Os Centros de Inovação funcionam como um shopping, com livre acesso às tendências.

O site da Rede Catarinense de Centros de Inovação traz o mapa do tesouro, especificando como empresas, startups, estudantes, investidores, quem trabalha de forma autônoma e o mero autor de uma ideia podem se inserir no ecossistema.

Para estar nesta vitrine tem coworking e hackathon, espécie de gincana, para criar soluções em equipe. Os programas de pré-incubação e incubação absorvem quem sequer tem CNPJ. Tem escaladora e aceleradora, para captar investimentos, laboratórios, auditórios e um convidativo café. Sim, inovação também é pra você!

Mais sinergia, menos hierarquia

A percepção é consenso. O valor de um Centro de Inovação não está na sua estrutura física, mas sim nas conexões que ele viabiliza. Tido como um “épico” da inovação, o livro The Act of Creation (O Ato de Criação), publicado por Arthur Koestler em 1964, já ventilava a ideia de que a força da criatividade emergia quando diferentes disciplinas intelectuais colidiam. Ao aproximar a Quádrupla Hélice – universidades, empresas, governo e sociedade – a Rede vira engrenagem de uma revolução. Sem barricadas, sem guilhotinas, sem tolerar a discriminação, tem como maior trunfo justamente a conexão: encurtar distâncias entre pessoas com ideias, pessoas com talento e pessoas com capital.

Para Ricardo Fantinelli, Coordenador de Inovação do Ágora Tech Park, em Joinville, nem mesmo a reunião mais inóspita é considerada um desperdício. Toda conversa, mesmo que não evolua para possíveis parcerias, é valiosa num fluxograma onde os erros ganham status de lição. “Os talentos são o principal elemento num Centro de Inovação”, proclama o publicitário, satisfeito por motivar relações sem filtros, com as pessoas dizendo como se sentem e inspirando os demais, justamente por serem reais. 

ChimaTalks e WineTalks

Assim como acontece em Joinville, onde as falhas viram pauta, cada Centro de Inovação encontrou uma solução personalizada para democratizar o acesso e diversificar as conexões. Tem ChimaTalks em Lages, WineTalks em Videira, e os programas de pré-incubação – onde ter uma ideia é garantia de ingresso – são oferecidos em todas as unidades.

No workshop LabIC, criado em Jaraguá do Sul para fomentar a inovação social, 70% dos participantes nunca tinham entrado no Novale Hub. No Centro de Inovação Blumenau, jovens de baixa renda, acomodados em poltronas com notebooks no colo, carimbam seu passaporte para o mercado de trabalho. Em Lages, 38 entidades sociais buscaram orientação no Orion, só no primeiro trimestre de 2022, para ter uma gestão mais sustentável. Para os idosos que precisam aumentar a renda, mas têm dificuldade para conseguir um emprego, o Centro de Inovação de Videira lançou o Projeto Recriar, para os alunos “veteranos” aprenderem a costurar.

Combustível das mudanças, a conexão reitera uma pesquisa do século passado. Vem do início dos anos 1990 a constatação do psicólogo Kevin Dunbar que momentos “eureca” são mais comuns na interação do que num retiro solitário. Como revela Steven Johnson, autor do livro Where good ideas come from (De onde vêm as boas ideias), Dunbar provou que “as ideias mais importantes surgiram durante reuniões regulares, onde uma dúzia de pesquisadores, ou em torno disso, apresentavam e discutiam informalmente, num laboratório, seus trabalhos mais recentes”.

Como tudo começou

Preparando o terreno para conectar mentes férteis a empresas famintas por soluções, a Rede Catarinense de Centros de Inovação é baseada no metamodelo de Josep Miquel Piqué, mentor do projeto 22@Barcelona, que transformou uma área industrial em referência de inovação e qualidade de vida.

Secretário de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável entre 2011 e 2014, Paulinho Bornhausen lançou o Plano SC@2022, que incluía o programa inovação@sc. A Política de Inovação e Tecnologia previa inicialmente 10 Centros de Inovação com prédios padronizados. Com o amadurecimento do ecossistema, a composição passou para 13, até atingir 15 cidades, conforme o recorte territorial da Federação Catarinense de Municípios. “Os Centros de Inovação são os pontos de encontro onde a diversidade se materializa. Eles são o farol que vai acender as regiões”, prospecta Paulinho sobre o plano alçado a “política de estado”, capaz de seguir evoluindo alheio às mudanças de poder.

Adotar um conceito territorial, que incita os municípios a compartilhar seus problemas e seus potenciais, leva os Centros de Inovação a respeitar a vocação da própria região. Na prática, a conexão entre o setor produtivo e o meio acadêmico prepara os estudantes para que “desabrochem” nas regiões em que vivem, evitando o êxodo do interior. “A Rede dispõe de instruções normativas que organizam o trabalho de regionalização dos Centros como hubs de inovação conectados a outros ambientes inovadores, como incubadoras, coworkings e laboratórios. Com isso, apesar das suas particularidades, todos evoluem na mesma direção, preparando Santa Catarina para a Nova Economia”, resume o Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovações da SDE, em 2022, Moris Kohl.

Para o então secretário da SDE, Jairo Sartoretto, a conexão entre os Centros cria um grande corredor de inovação pelo Estado, impulsionando a economia por meio da inovação, da ciência e da tecnologia. “A inovação é o caminho para consolidarmos o futuro promissor de SC”, avalia Sartoretto.

Participação Fapesc na Rede Catarinense

A Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) tem papel relevante para a Rede Catarinense de Centros de Inovação. A parceria iniciou com o fomento ao primeiro projeto de constituição dos centros e segue até os dias atuais, com programas que possibilitam a consolidação e ativação das ações, em todas as regiões de Santa Catarina.

A Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação (SCTI) e a Fapesc são órgãos do Governo do Estado responsáveis por descentralizar recursos para a construção dos prédios, que contempla um modelo conceitual de funcionamento. Cabe à SCTI também a gestão de toda Rede Catarinense de Centros de Inovação.

Entre os Centros de Inovação que receberam recursos da Fapesc, o Centro de Inovação de Criciúma foi contemplado com mais de R$ 7 milhões, e o de Rio do Sul com R$ 7,5 milhões, investimentos destinados à obras de ampliação e finalização do espaço físico.

Além de contribuir com a construção dos prédios, a Fapesc fornece para os CIs recursos humanos e links de internet, bem como promove ações de articulação, com as universidades e os setores empresariais, para manter e atrair talentos para essas regiões. É desta cooperação que nascem as soluções para fortalecer o protagonismo de Santa Catarina na economia nacional.