Na liderança nacional do cultivo de maçãs, produtores da Serra e do Meio-Oeste apostam no uso da tecnologia para aumentar competitividade em SC
Reportagem Gisele Krama
Fotos e Infográficos Gabriela Garcia
Infográficos Sharlene Melanie
Vídeos Caroline Costa
Edição Nanda Gobbi
Vermelha, doce, crocante. Quem saboreia uma maçã não imagina o complexo processo produtivo por trás de uma das frutas mais queridinhas do mundo. É necessária quase uma década entre o desenvolvimento de uma muda até uma árvore adulta produzir em larga escala. Do campo até a gôndola do supermercado tem mais um longo caminho a ser percorrido. Todo esse trajeto está cercado de novas tecnologias e inovações que estão mudando a maneira de plantar, colher e processar a fruta.
E isso impacta diretamente o agronegócio catarinense. Santa Catarina não quer mais ter só a melhor maçã do mundo, também busca mais produtividade e rentabilidade. Para isso, os produtores apostam em drones para polinização, tratores controlados por tablets para fertilização e pulverização, irrigação eletrônica, poda mecanizada e sistema para gestão da propriedade.
Na parte de processamento e embalagem da fruta, está nas mãos de poucas pessoas controlar o sistema automatizado que seleciona e embala diariamente toneladas de maçãs. Essas mudanças não fazem parte do futuro da fruticultura, mas sim do presente em empresas e cooperativas catarinenses.
Para o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Marcos Botton, não basta apenas ter a melhor maçã no mundo, é preciso que ela chegue competitiva ao mercado, e o desenvolvimento de novas tecnologias é o caminho para garantir a produtividade e a rentabilidade.
“O setor de maçã é um dos setores de maior tecnologia que temos no Brasil. Não é para amadores, porque a implantação de um pomar tem custo elevado. Todo o setor produtivo precisa estar se reinventando”, destaca.
Tecnologia garante produtividade e rentabilidade da maçã catarinense
Drones e tratores para polinização
Santa Catarina conta hoje com mais de 15 mil hectares de área cultivada de maçã, com domínio das variedades fuji e gala. Para que os campos frutifiquem e garantam uma boa produção, é necessário fertilizar cada uma das flores.
Hoje, esse processo é feito de maneira artesanal. Colmeias de abelhas são instaladas no meio das plantações, justamente no período de floração, para que a natureza faça o seu trabalho. Mas esse cenário pode mudar com a ajuda da tecnologia.
A Kolecti Serviços Florestais, da cidade de Tijucas, na Grande Florianópolis, tem testado o uso de drones para coleta de pólen, que depois é processado e levado novamente aos cultivos com a ajuda da ferramenta.
A solução veio dos Estados Unidos e está em fase de testes em Santa Catarina. Segundo o diretor e proprietário, Júlio César Soznoski, cada drone é capaz de polinizar até 30 hectares por dia e com pólen selecionado e de melhor qualidade.
“Tem regiões com problema muito grande de polinização, de sincronia entre a polinizadora e a planta frutífera. Isso acontece muito. Tem áreas que a gente fez aplicação e deu quase 200% de aumento, fora a questão de qualidade”, destaca.
Segundo Júlio, o serviço de polinização por drone ainda está em fase de teste e pode estar disponível para comercialização a partir de 2023.
Acesse o link e assista os vídeos com os produtores catarinenses de maçã
que estão apostando em inovação
Tablet no campo e sistema eletrônico de irrigação
A maior parte dos produtores de maçã em Santa Catarina são pequenos. Cultivam até 5 hectares e contam com a família para tocar as atividades diárias no campo. Uma parcela deles já aderiu às novas tecnologias e sente o resultado.
É o que aconteceu com Lauro Zandonadi, da Fazenda Postinho em São Joaquim. Desde que voltou do Mato Grosso, em 2019, após dois anos de trabalho com grãos como soja e milho, veio determinado a assumir a propriedade da família e a mudar o jeito de plantar maçã, cultivo que está na família há pelo menos três gerações.
Para inovar, Lauro investiu inicialmente em um sistema eletrônico de irrigação. Hoje tem cerca de 30% do pomar com essa estrutura e a ideia é expandir mais 30% até o fim do ano. “Não era comum a irrigação, mas foram duas temporadas de seca no inverno. Minha sorte é que optei por essa tecnologia antes”, comenta.
O produtor aproveitou o mesmo sistema para fazer adubação e já percebeu os resultados. A produção aumentou em 35% em comparação com áreas não irrigadas. Ao mesmo tempo, implantou sensores nas bombas que pulverizam insumos e defensivos com tratores. “Precisamos buscar novas tecnologias e novas ferramentas para nos ajudar a sermos mais eficientes no campo. É isso que precisamos: diminuir os nossos custos. A tecnologia vai nos ajudar a ser mais eficientes e a ter mais lucratividade”, defende Lauro.
Na palma da mão, com ajuda de um tablet, Lauro acompanha os resultados com a ferramenta Field View. Ele sabe, em tempo real, o quanto de produto é aplicado, evitando prejuízos e desperdícios. A técnica da Epagri), Maêve Silveira Castelo Branco, acredita que em uma década a realidade do cultivo de maçã em Santa Catarina será diferente. “Esses jovens já estão mais adeptos às novas tecnologias. Eles querem continuar na atividade, mas pensam em dar um passo adiante”.
Porta-enxerto: evolução das plantas
A imagem tradicional de uma macieira em formato de árvore está mudando. Ou melhor, já se transformou. A planta cada vez mais se assemelha a um arbusto. Fica menor, mais estreita, com galhos mais curtos. Essa mudança foi possível pelos melhoramentos realizados com pesquisas ao longo de décadas.
Se no lugar das árvores formarem-se arbustos, tal qual uma videira, fica mais fácil e rápida a coleta dos frutos maduros, sem necessidade de subir escadas ou plataformas. E se a planta pegar mais sol, as maçãs ficam mais vermelhas e com melhor qualidade para o mercado. Mas para que essa mudança seja aplicada, é preciso também mudar o sistema que orienta o crescimento da macieira. Essa cadeia de técnicas permite o melhor aproveitamento da planta e dos frutos.
“Hoje falamos muito de sistemas de condução. Essa é a ideia básica: desenvolver um sistema de condução de macieira que seja competitivo, que seja viável técnica e economicamente”, explica o pesquisador da Embrapa, Marcos Botton.
Os estudos realizados pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e pela Epagri são fundamentais para desenvolver essas novas tecnologias. “Antigamente você pensava como se fosse um pinheirinho de Natal. No futuro teremos que ter um porta-enxerto que se adapte ao sistema de condução, tipo a parreira. Assim terá uma melhor eficiência na colheita, na condição de maturação dos frutos e, principalmente, mecanização do pomar”, destaca Leo Rufato, professor e pesquisador da Udesc.
Rufato testa um porta-enxerto que encurta o tempo necessário de desenvolvimento de uma macieira, ajudando o produtor a colher mais rápido e ainda pagar o custo de investimento mais cedo.
Melhoramento genético
Isadora é jovem, desconhecida e com uma carreira promissora pela frente. Prestes a brilhar no tapete vermelho da produção de maçãs internacional, ela é um dos destaques desenvolvidos pela Estação Experimental da Epagri de Caçador, no Oeste catarinense.
De casca grossa, resistente, mas com muito açúcar. Essa jovem promessa fez brilhar os olhos de um grupo de empresários italianos. O motivo é a durabilidade da fruta, pois pode ficar armazenada por mais de um ano em câmara simples de resfriamento, sem perder o caráter jovial e a crocância, características tão apreciadas em uma maçã.
Isadora junto com as irmãs Luiza e Venice, variedades desenvolvidas pela Epagri, fazem parte de um acordo de cooperação internacional, assinado em 2022, que permitirá a produção em terras italianas, com a marca Sâmboa. Já são 300 hectares cultivados fora do Brasil, com meta de chegar a 4 mil em todo o mundo.
“A previsão de expansão é muito grande. Esperamos que essas variedades tragam um ganho de visibilidade para a Epagri, para Santa Catarina e para a pesquisa. Estamos muito felizes por este trabalho, que tem aberto as portas para o mundo”, destaca o pesquisador Marcus Vinicius Kvitschal, que lidera estudos de melhoramento genético da maçã na Epagri.
Enquanto a Epagri exporta essa tecnologia, recebe pela primeira vez royalties pela pesquisa dessas variedades, netas das primeiras mudas de fuji e gala em Santa Catarina.
Automação de processamento
O sistema de pós-colheita é um dos mais tecnológicos dentro do processo produtivo de maçãs. São as máquinas que comandam o processamento e embalagem, chamadas de packing houses.
A cooperativa Frutas de Ouro, de São Joaquim, investiu em 2021 em automação para ganhar agilidade e produtividade nessa etapa. “Eu sempre gostei de fazer o melhor e estar na frente. Eu queria o que tinha de mais moderno”, defende a presidente, Marilene Silva Castelo Branco.
A nova máquina consegue selecionar as maçãs por categoria. A funcionária Francieli Ghidini de Lima, que trabalha na cooperativa há 15 anos, sabe bem a diferença entre a estrutura antiga e a nova. “A seleção de frutas era bem manual. A gente separava por cor, tamanho e peso. Dava bastante trabalho. Agora é a máquina que separa e não cai errado. É só colocar na bandeja”, comemora.
O armazenamento das frutas também requer tecnologia. As câmaras passam por modificação atmosférica para baixar o oxigênio, manter a temperatura entre 0º e 1º com nitrogênio e reduzir a respiração da fruta. É como se fosse um coma induzido na maçã, garantido maior durabilidade.
O desafio para a cooperativa agora é ampliar as câmaras frias para dar conta da produção. Hoje, a instituição é capaz de guardar 6,5 mil toneladas de frutas, mas a expectativa é aumentar mais 2 mil até o fim do ano e chegar a 15 mil em 2027.
Aplicativo de gestão do cultivo
Não é só a iniciativa privada que oferece soluções tecnológicas para produtores de maçãs. Há softwares e aplicativos gratuitos para gestão dos cultivos e da propriedade. Confira!
Uzum – aplicativo que reúne informações sobre sintomas de doenças nas
plantas para fazer o autodiagnóstico
Gestfruit – ferramenta para gestão financeira da propriedade rural