São peças que não medem mais do que 10 cm de altura por 14 cm de comprimento, mas seu mau funcionamento pode contribuir para uma sequência de eventos que culminam na queda de uma aeronave.
É o que, aliás, pode ter acontecido com o avião da Air France, no voo 447, que em 2009 caiu nas águas do Atlântico, com 228 passageiros a bordo. Uma das causas prováveis para a queda foi atribuída ao congelamento dos três pitots da aeronave. Para Renato Cotta, professor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), criar alternativas de pitots mais eficazes e outros tipos de sensores que confiram maior segurança aos voos vem motivando as pesquisas desenvolvidas no recém-criado Laboratório de Microfluídica e Microsistemas, que recebeu recursos do Pronex (Programa de Apoio a Núcleos de Excelência), parceria FAPERJ e CNPq, e do programa Apoio às Instituições de Ensino e Pesquisa Sediadas no Estado do Rio de Janeiro, da FAPERJ. Cotta tem uma razão muito especial para se empenhar nesse trabalho: sua filha, recém-casada, viajava em lua de mel com o marido no avião da Air France.
Uma das propostas do grupo é aperfeiçoar o pitot convencional, tese de doutorado de José Roberto Brito Souza, da Coppe. “Já temos compreensão do funcionamento do equipamento convencional e dos motivos que o levam a falhar sob determinadas condições negativas. Mas para tirar patente do projeto, será preciso avançar mais para garantir inovações ao produto”, fala Brito Souza.
Mas, afinal, o que é um pitot? O sensor, que pode ser instalado no nariz ou nas asas da aeronave, é responsável por detectar as informações externas de pressão. Com essas informações, os instrumentos da aeronave indicam aos pilotos a velocidade, dado essencial para a orientação sobre as condições de voo. Na prática, submetidos às condições atmosféricas externas, os pitots estão sujeitos a obstruções por água, gelo ou até mesmo objetos estranhos e insetos, que podem levar ao seu mau funcionamento. “Quanto maior a altitude, menor a temperatura, numa proporção de -2º a cada 300 m de altitude. Para se ter uma ideia, em altitudes entre 30 a 40 mil pés, comuns em voos sobre o Atlântico, as temperaturas costumam oscilar entre -35º a -55ºC”, explica Cotta. Para evitar que o pitot congele, o corpo do instrumento conta com um sistema de aquecimento.
Isso, no entanto, pode não ser o suficiente. Condições de grande umidade, como tempestades e nuvens cumulus nimbus, carregadas de gotículas de água, podem alterar a situação de temperatura. O que significa que, mesmo em altitudes mais baixas, a temperatura pode baixar ainda mais rapidamente. “Navegar durante um tempo mais prolongado entre nuvens cumulus nimbus, sempre com grande umidade, pode comprometer o funcionamento do sistema de aquecimento. Em geral, os pilotos são orientados a evitar esse tipo de nuvens”, explica Cotta.
Para garantir alternativas de maior segurança às condições de voo, Cotta e equipe estão estudando várias modificações no modelo atual de pitot. Uma delas é sua produção com material superhidrofóbico. Em outras palavras, um tipo de liga metálica que repele água e o gelo que se forma em altitude. “Os atuais pitots são certificados para suportar temperaturas até -40ºC. Mas no dia do acidente com o avião da Air France, estima-se que a temperatura tenha atingido -50ºC”, fala Cotta.
Outras opções dizem respeito às técnicas de medição dos pitots. Em vez de se utilizar um único princípio de medição, os pesquisadores sugerem oferecer resultados por dois métodos diferentes. “Assim, caso um deles falhe, sempre haverá o outro”, diz o pesquisador. Para isso, eles pretendem experimentar concepções de sensores de velocidade que ainda não foram usadas em aeronáutica.
“O tipo de pitot em uso no voo 447 foi banido, substituído por modelos americanos, mais robustos e de aquecimento mais intenso. O único problema é que esses modelos consomem mais combustível do motor”, explica Átila da Silva Freire, doutorando e integrante da equipe liderada por Cotta. É motivo para uma outra proposta: a de otimizar a necessidade de aquecimento do pitot de acordo com as condições atmosféricas externas. Ou seja, quanto menor a temperatura externa, mais intensamente o sistema de aquecimento seria acionado.
“Utilizando microssensores calorimétricos, instalados pelo corpo da aeronave, poderemos medir as diferenças de velocidade nos diversos pontos do avião”, diz Cotta. Por serem bem pequenos, esses microssensores exigem menor potência para aquecimento, o que quer dizer um menor custo de energia. “Além disso, eles podem ser instalados em áreas que já são normalmente aquecidas em uma aeronave, como as asas, protegidas para evitar a formação de gelo. Dessa forma, uma rede de microssensores permitiria ao piloto saber em detalhes o que acontece em todo o avião, permitindo um maior controle do manejo da aeronave e melhor qualidade do voo, principalmente em áreas de turbulência.”
No caso de desenvolver novos modelos de pitot, a equipe quer primeiro conhecer seu funcionamento detalhadamente. Para isso, o grupo vem usando a aeronave A4-Skyawk, da Marinha, e o túnel de vento aerodinâmico do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (InMetro), em Xerém. “Queremos dominar o conhecimento do comportamento térmico do pitot, quando ele é submetido a variações de temperatura e escoamento de ar em velocidades subsônicas e trans-sônicas. Nesse sentido, estamos desenvolvendo em software específico que analisa esse comportamento do pitot“, explica José Roberto Brito Souza, também participante da equipe. Seu projeto tem como objetivo estudar teórica e experimentalmente o problema de transferência de calor associada com o comportamento térmico de um tubo de pitot aeronáutico aquecido, seja em túnel de vento, seja em voo. “A análise experimental envolveu a utilização de um sistema de PIV (Particles imagery velocimetry) para identificar o campo de velocidade em torno da sonda de pitot, o uso de um sistema de termografia infravermelha para medir o campo de temperatura na superfície da sonda, e a aeronave da Marinha”, explica José Roberto.
Ao mesmo tempo, como não há no país túnel de vento com formação de gelo em que se possa testar condições de voo mais severas, o grupo está desenvolvendo seu próprio túnel. “Trata-se da construção de um túnel de vento criogênico, que será o primeiro do gênero no Brasil, para possibilitar a pesquisa do comportamento de sensores de velocidade quando submetidos a escoamentos de ar a baixas temperaturas. Isso certamente é mais prático, barato e seguro do que enviar uma aeronave de pesquisa, para voar em condições meteorológicas adversas”, explica Átila, sobre seu projeto de doutorado.
De uma coisa, o grupo tem certeza. Com o desenvolvimento desses projetos, que ainda têm mais dois ou três anos pela frente, a equipe sabe que, além de estar formando um laboratório de excelência sobre o tema, certamente garantirá soluções para voos mais seguros.
Fonte: Vilma Homero – Site do Confap