Inovar sempre foi considerada uma missão heróica no Brasil. Não pela falta de ideias, pelo contrário: segundo o Global Entrepreneurship Monitor o país é um dos mais empreendedores do mundo. Entretanto, a falta de incentivo dos agentes financeiros atrelada a uma conjuntura econômica desfavorável acabou impedindo que essa cultura eclodisse durante muito tempo.
Um recente histórico de fortalecimento da moeda, combinado com a queda dos juros e a rápida saída da crise financeira mundial, fortaleceu os pilares da economia nacional, que se tornou mais sólida diante dos olhos dos investidores e também uma referência para o capital estrangeiro.
A onda de investimentos, que primeiramente atingiu a bolsa de valores, agora chega aos negócios de inovação – os principais alvos dessa maré de capitalização. Algumas modalidades de investidores que antes eram pouco conhecidas por aqui, como os angels, passaram a se fazer mais presentes em todo o território nacional. Santa Catarina pode ser um dos grandes favorecidos desse movimento, devido à vocação para áreas tecnológicas e pela qualidade de vida superior a outras grandes regiões.
Foi de olho nesse cenário que Marcelo Cazado fundou a Floripa Angels. O economista carioca havia trabalhado em empresas como a Promon, a consultoria mundial Accenture e a Coca-Cola, tendo construído nestas uma carreira alicerçada nas áreas de planejamento financeiro, estratégia e inovação. Daí para o empreendedorismo foi um salto.
Ele resolveu então aproveitar a própria network para reunir um grupo de associados que tem como foco investir em start-ups de tecnologia em Santa Catarina. Marcelo conta que o time possui cerca de 15 investidores. O perfil destes é composto por executivos na faixa etária entre 30 e 40 anos, entre presidentes, vice-presidentes e diretores de empresas multinacionais. São pessoas que edificaram carreiras em áreas de atuação diferentes e possuem interesses em áreas distintas.
Ao contrário do modelo de fundo onde existe geralmente um especialista financeiro que opta pelo melhor retorno em um prazo estipulado, a Floripa Angels opera sobre o modelo de grupo de investidores onde cada um escolhe em qual negócio atuar e o quanto está interessado em injetar. O motivo é que muitos destes estão dispostos a participar efetivamente da gestão da empresa.
Isso se deve ao fato de que muitas vezes o empreendedor de uma start-up vem de uma formação técnica, como engenharia ou TI, e possui uma carência de expertise em áreas-chave de gestão empresarial, como marketing, finanças ou comercial.
É comum nesse tipo de prática que, quanto maior o risco, maior seja a participação do novo sócio na empresa, seja essa representada por um maior percentual de aquisição ou pela presença no dia a dia da organização. Isso depende de ambos e do risco que investidor resolve assumir.
O Brasil nesse sentido ainda está longe do ideal. Em dezembro de 2008, o capital comprometido da indústria brasileira de private equity e venture capture representava 1,7% do PIB. É pouco se comparado com 3,7% dos EUA e os 4,7% da Inglaterra, porém muito promissor se pensarmos nos números de 2004, que correspondiam a 0,6% do PIB. Os países que mais crescem são aqueles onde há incentivo para a criação de novos negócios. “É o que faz com que uma nação cresça e se desenvolva. Isso é o que está por trás de um investidor anjo”, afirma Marcelo.
O diretor da Floripa Angels revela que o sucesso para quem busca um investidor desse tipo é apresentar um projeto inovador. Os Angels estão de olho no mercado futuro. Não adianta investir em algo que acontece agora, pois para eles já é atrasado. É preciso olhar e antecipar as ondas que estão vindo.
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Darlan Dallacosta, diretor da SCtec, acredita que existem muitos empresários que não enxergam |
As spin-offs – empresas formadas dentro das universidades – tecnológicas de Florianópolis têm conseguido captar recursos de diversas fontes alternativas, de bancos a factorings. A Chaordic Systems é um exemplo dessa realidade. João Bernartt estava no processo de conclusão de seu mestrado na área de inteligência artificial, enquanto o amigo João Bosco se dedicava à área de data-mining. Em determinado momento ambos notaram uma complementaridade de seus projetos. Resolveram então unir forças para um concurso de sistemas de recomendação chamando Netflix Prize. Tratava-se de um desafio mundial que pagava um milhão de dólares para aquele que conseguisse uma melhoria de 10% em relação ao sistema de recomendação atual da empresa.
Os amigos chegaram a 6% de melhoria. Apesar de não atingirem o objetivo do concurso, ambos perceberam que poderiam ganhar dinheiro com a solução que criaram. Eles ainda não sabiam ao certo de onde viriam os recursos que financiariam o negócio. Contudo, numa tarde de sexta-feira, um amigo empresário da área de tecnologia trouxe a notícia de que um edital do CNPQ chamado High Inovação, destinado a empresas que desenvolvem pesquisa de produtos inovadores, teria seu prazo estendido para a sexta-feira seguinte. Ele sugeriu que ambos se inscrevessem.
Apesar do curto prazo, conseguiram elaborar uma proposta que foi aprovada pela instituição, o que acabou rendendo o capital inicial da empresa. O valor de 300 mil reais veio a fundo perdido e isento de juros, o que acabou alavancando o começo do empreendimento. De lá pra cá, a Chaordic conseguiu ainda vencer mais editais importantes como os da FAPESC e do FINEP duas vezes, totalizando mais de um milhão de reais captados sem necessidade de devolução, por representar um desenvolvimento tecnológico para o país.
Mesmo tratando-se de um montante cosiderável, é preciso levar em conta que o custo de inovar é algo que descapitaliza rapidamente qualquer negócio. Afinal, durante o período de desenvolvimento não existe geração de caixa, apenas desembolsos que se não forem bem geridos podem efetivamente matar uma organização.
Nesse sentido, o governo federal, através do Ministério de Ciência e Tecnologia, tem conseguido avançar bastante. E cada vez mais organizações estão atentas a esse tipo de recurso. De 2008 para 2009 o número de inscritos no programa do Prêmio Finep de Inovação mais que dobrou na categoria Micro e Pequenas Empresas – de 140 para 311 inscritos. Quem pretende trabalhar com inovação acaba encontrando nestas instituições uma boa forma de conseguir manter-se competitivo.
A Chaordic desenvolve uma solução chamada RaaS destinada a e-business, como lojas de varejo virtual ou provedores de serviços de entretenimento específico para usuários, como filmes, música e livros. O sistema inteligente consegue estabelecer os padrões de comportamento e consumo de um internauta. Com base nessa experiência adquirida, a ferramenta passa a produzir listas de sugestões de produtos, considerando em seus algoritmos fatores como tendências de popularidade e comportamentos comuns entre usuários. Quanto mais o cliente navega, mais o sistema aprende e se aperfeiçoa. As listas geradas ainda podem ser integradas a widgets, compor ofertas personalizadas de e-mail marketing, T-commerce (comércio através de TV digital) e M-commerce (para dispositivos móveis).
Bosco e Bernartt precisavam não só de capital como também sentiam necessidade de sócios experientes para trabalhar principalmente a parte comercial e de marketing. Começaram a conversar com alguns fundos até encontrar a DLM Invista Asset Management. O que esta tinha a oferecer como diferencial? Para eles, a expertise de Paulo Caputo e Jorge St
ephens, ex-vice-presidente e ex-CEO da Datasul respectivamente, foi decisiva, já que estes possuíam larga experiência na gestão de empresas de tecnologia, podendo assim firmar uma parceria estratégica e sinérgica. “Para nós era muito interessante ter eles como sócios, principalmente no início da formação da cultura e no estabelecimento de novas áreas, o que é fundamental”, afirma Bernartt.
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Marcelo Cazado, diretor da Floripa Angels, oferece não só uma opção de captação de recursos, |
Na época Paulo e Jorge estavam procurando empresas de base tecnológica para investir e foram apresentados à Chaordic pela Fundação Certi. Após sete meses, um novo acordo transformou a Chaordic em sociedade anônima, e a DLM passou a ter 20% de participação.
Os novos sócios passaram a ajudar na gestão da empresa, na política comercial e no processo de tomada de decisão, auxiliando no desenho de processos. Entre as novas atividades, a empresa instaurou a governança corporativa, auditoria, toda uma organização interna e uma estrutura de transparência corporativa, tudo dentro de uma formatação preparada para não prejudicar a agilidade necessária às organizações da área de tecnologia.
Para João, uma parceria de sucesso deve levar em conta uma série de fatores, onde não só o capital importa, mas também a experiência que novas pessoas trazem para o seu negócio. “Além disso, não pode haver pressa para fechar o deal, deve-se saber identificar se os princípios dos novos sócios são semelhantes aos seus, e descobrir como eles agregam valor para o seu empreendimento é primordial”.
Darlan Dallacosta também buscou o FINEP para levar recursos à sua empresa, a SCtec. O engenheiro mecânico de Joaçaba havia trabalhado na área de odontologia durante a graduação. Quando foi morar na capital do estado em 2005 para realizar seu mestrado, optou por uma linha de pesquisa na área de biomecânica aplicada à ortopedia.
O período coincidiu com uma nova série de regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esta passou a exigir dos fabricantes de produtos ortopédicos que comprovassem a segurança e a eficácia de seus itens através de um processo de registro. A entidade começou a pedir ensaios e testes mecânicos, caracterizações da parte química e dimensionais desses implantes, que até então não eram feitos. Darlan identificou aí uma oportunidade e, com três outros colegas, montou a empresa para suprir essa demanda junto aos fabricantes desses produtos em 2008.
Inicialmente oferecendo serviços de testes e ensaios na área ortopédica e dentária, a SCtec operou nos primeiros anos com recursos provenientes de um sócio paulista, que viu que o empreendimento tinha um amplo mercado de atuação.
Na metade de 2009, Darlan soube do edital do Primeira Empresa Inovadora (Prime) do FINEP. O programa tem como intuito possibilitar aos empreendedores que possam se dedicar integralmente ao desenvolvimento de produtos e processos inovadores e originais para se inserir no mercado. A empresa conseguiu um valor de subvenção econômica de 120 mil reais a fundo perdido, para custear recursos humanos qualificados e serviços de consultoria especializada em estudos de mercado, jurídico, financeiro, certificação e custos durante 12 meses. Quem atinge as metas estabelecidas nos planos de negócios pode candidatar-se a um empréstimo no Programa Juro Zero e ainda ter a empresa alavancada por outros programas do FINEP.
O empreendimento que pretende concorrer a um processo deve estar atento a exigências básicas, como possuir certidões negativas de débito, estar regularizado e apresentar uma contrapartida mínima, em torno de 5%. O Prime até 2011 deve contemplar 5 mil empresas, totalizando entre crédito e capital de risco mais de 1 bilhão de reais.
Darlan se diz surpreso com a reação de vários empresários com quem conversa, pois muitos nem cogitam a possibilidade de se inscrever por acharem que tais financiamentos se destinam somente a organizações de grande porte, ou pessoas que desenvolvem produtos revolucionários, o que não é verdade. No ano de 2009, só o Programa de Subvenção Econômica à Inovação distribuiu 465 milhões de reais, sendo que 77% desse valor foi destinado a micro e pequenas empresas.
O tipo de análise feita pelo Finep não é a mesma que um banco realiza. O primeiro averígua a viabilidade técnica do projeto, o segundo analisa o histórico dos últimos 36 meses de demonstrativos de resultados. A tendência é que, quanto mais nova a empresa, menor é chance de captar recursos nesse tipo de instituição financeira. Enquanto isso, agentes como Angels, Finep, CNPQ e Fapesc oferecem sócios experientes, juros zero e valores não reembolsáveis. Será que você está procurando no local certo?