O Orçamento de 2014 prevê que R$ 2,4 bilhões sejam repassados ao programa Ciência sem Fronteiras (CsF), uma das principais bandeiras do governo que prevê a concessão de 101 mil bolsas a estudantes interessados em estudar no exterior. Porém, desde o ano passado, o programa tem utilizado verbas de pesquisa para implementar suas ações.
O governo está deslocando recursos Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológio (FNDCT), principal fonte de financiamento das agências públicas de fomento à pesquisa. No ano passado, o orçamento do Fundo previa repasse de R$ 307,6 milhões ao Programa, o que representava 8% da dotação total do FNDCT (R$ 3,8 bilhões). Este ano, o comprometimento com o Ciência sem Fronteiras é bem maior – dos R$ 3,4 bilhões autorizados para as despesas do Fundo, R$ 767 milhões, ou 22% do total, serão destinados ao CsF.
O repasse ao Programa não gerou, entretanto, aumento significativo no orçamento do FNDCT. Em 2012, ano em que o Fundo não contribuiu para o Ciência sem Fronteira, a dotação era de R$ 3,2 bilhões. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que gerencia o CsF em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) é responsável por repassar mais R$ 488,8 milhões ao Programa, além dos recursos destinados ao FNDCT.
O repasse total, de R$ 1,3 bilhão, representa 71% do orçamento do Conselho e pode afetar linhas de pesquisas financiadas com unidades, programas e agências de fomento estaduais. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI), responsável tanto pelo FNDCT, quanto pelo CNPq, foi contatado pelo Contas Abertas, mas não encaminhou resposta até o fechamento da reportagem. Fecha a conta dos repasses ao Ciência sem Fronteiras o R$ 1,1 bilhão do orçamento do programa orçamentário Educação Superior, sob administração do Ministério da Educação. Até o dia 16 de abril já haviam sido pagos R$ 452 milhões ao CsF, valor que não inclui os restos a pagar pagos.
De acordo com dados do governo federal, atualizados em fevereiro, já foram implementadas 49.067 bolsas. A maioria (39.564) foi destinada para alunos de graduação. Outras 6.702 bolsas beneficiaram doutorandos e 2.801 estudantes de pós-graduação. Ao jornal Estado de S. Paulo, cientista advertiram sobre as consequências do deslocamento de recursos. “O impacto na pesquisa será trágico”, disse Helena Bonciani Nader, professora da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da SBPC, no Fórum Mundial de Ciência, no Rio de Janeiro. “Precisamos de recursos para pesquisas.
De alguma forma o valor destinado ao Ciência sem Fronteiras terá de ser compensado. Caso contrário, o impacto na área científica vai ser grande”, afirmou, no mesmo evento, o matemático Jacob Palis, presidente da Academia Brasileira de Ciências. As entidades científicas do país também apontaram problemas como a falta de planejamento e de rigor técnico, por parte do governo, na gestão das áreas educacional e científica.
De acordo com as instituições, o programa Ciência sem Fronteiras foi concebido às pressas, sem consulta à comunidade acadêmica e científica. Além disso, não faz sentido reduzir o orçamento do MCTI para favorecer um programa em que o principal beneficiado, do ponto de vista institucional, é o MEC. As críticas não são novas.
“O Ministério ganhou mais um penduricalho e está com menos dinheiro. É uma incoerência”, já dizia a presidente da SBPC em 2012, alegando que a redução de verbas para a área científica poria em risco a competitividade da economia brasileira. Desde então, as entidades científicas já enviaram várias cartas de protesto. Mas nenhuma delas produziu resultado concreto, pois os critérios que prevalecem no governo Dilma são eleitorais, e não técnicos.
Fonte: 180 Graus – Piauí